Beatriz Scariot
Se alguém te contasse que na tua cidade tem um cara que tocou com o Bob Dylan, você acreditaria? Pois bem, eu dificilmente acreditaria, mas tentaria pelo menos investigar. E foi isso que eu fiz. Mas no meu caso o cara é o Fiu e o músico não é o Bob Dylan, mas o brasileiríssimo Raul Seixas.
Ainda durante a minha infância aprendi que conversas de boteco sempre rendem boas pautas. No início dos anos 90, quando eu contava com cinco, seis anos, e ainda morava com meus pais é que aprendi que esses locais são verdadeiros livros de histórias. Nesse tempo meus pais moravam no interior de Getúlio Vargas, numa comunidade chamada Souza Ramos.
Como todo o vilarejo de interior, lá também havia um lugar sagrado de encontro para os moradores do local. Era a Bodega do seu Olivo, que ficava no porão da minha casa. À tardinha, depois do trabalho, os homens da comunidade se encontravam para beber um pouco da famosa cachaça de alambique com funcho e comer as casquinhas de laranja no açúcar que meu avô fazia. Era todo o dia a mesma coisa, as conversas adentravam a noite, e eu da minha cama ouvia as gargalhadas e as histórias contadas pelos mais velhos. Algumas vezes as histórias contadas eram tão boas que eu me levantava da minha cama e ia até a “rebalça” (alçapão) que dava para o porão da minha casa onde se localizava o boteco, onde ficava sentada nas escadas escutando aquelas velhas histórias. Aquele mundo me encantava. A fumaça vinda das mesas do bar, onde os homens fumavam e jogavam quatrilho, ia subindo aos poucos pela escada e frestas da casa, enquanto eu escutava atentamente as histórias da revolução, dos lugares mal assombrados, do heroísmo dos mais velhos e do saci-pererê, que fazia tranças nas crinas dos cavalos nas madrugadas de inverno. Desde então descobri que esses são os melhores lugares para se ouvir e contar histórias. O tempo passou, mas essa paixão pelas histórias, pelo cotidiano, cresceu comigo. E foi numa dessas noites, não mais sentada nas escadas da minha velha casa, mas num boteco de Passo Fundo, envolta na fumaça dos cigarros, que escutei pela segunda vez o nome de Fiu: a lenda viva.
Já havia escutado em algum outro momento o seu nome, na época uma história bastante vaga. Mas foi naquela noite no boteco que fiquei intrigada mesmo com a história. Fiu era um cara que havia tocado na banda de Raul Seixas durante uma turnê pelo estado em 1977 e hoje exercia a profissão de cabeleireiro na cidade. Como fã do Raulzito, fiquei escutando atenta aquela história, enquanto uma leve dose de nostalgia tomava conta de mim. Cheguei em casa ainda pensando no que acabava de ouvir. Adormeci pensando na história. Seria aquilo tudo verdade? Um cara que tocou com o Raul Seixas na década de 70, continuar morando em Passo Fundo e ser cabeleireiro? Surreal? Incrível? Acordei no outro dia pensando se aquela história não eram apenas lorotas contadas pelos meus amigos já embriagados depois de um dia cansativo. Foi então que um acaso aconteceu: meu namorado conhecia o cara. Dessa vez eu não podia deixar a história passar assim. Por incrível que pareça, foi mais fácil do que imaginava. Resolvi garimpar a tal história e melhor entrevistar a figura. Depois de conseguir o número do telefone resolvi ligar e marcar a entrevista. Logo que atendeu o telefone, fui logo perguntando: - Então, você que é o famoso Fiu? Tocou com o Raul Seixas, certo? Ele riu e depois disse: Sim, fui baixista dele durante uma turnê aqui no estado em 1977. Depois disso marquei com ele para nos encontrarmos em algum lugar para ele contar essa história toda. E foi assim. Marcamos para as 15h no local onde hoje ele atende os seus clientes. Apresento-lhes o Fiu.
O minuano soprava forte naquela tarde de agosto. Mesmo os raios do sol não conseguiam amenizar o frio que fazia na cidade. Não demorei muito para encontrar o local. Fiu me esperava na calçada em frente ao seu estabelecimento.
Depois de nos apresentarmos pessoalmente, subimos até o salão de beleza. Fiu mostrava-se ansioso para a entrevista. Entramos na sala onde ele atendia os seus clientes, o lugar era grande e arejado, os móveis pintados de verde-limão. Logo que sentei na cadeira, ele começou a me contar mil histórias. Não precisei fazer muitas perguntas. Ele sabia exatamente o que eu queria ouvir. Hoje cabeleireiro, Fiu não abandonou a música, que de acordo com ele é a sua maior paixão. Entre um corte de cabelo e outro Fiu foi contando a sua trajetória como músico, suas realizações, seu sonhos.
Conversávamos animadamente quando chegou uma senhora ao local, com os cabelos brancos e um olhar profundo. Não era uma cliente qualquer. Era a sua mãe, que havia chegado para visitar o filho, como fazia toda a semana e, claro, aproveitar a oportunidade para participar da entrevista. A banda de rock.
De acordo com Fiu, o interesse pela música vem desde quando ainda era criança, mas se intensificou mesmo no final dos anos 60. No auge de sua juventude, como muitos jovens daquela época, inseridos num regime ditatorial, procurava por liberdade. Para Fiu e seus amigos essa tal de liberdade estava na música. A música era a revolução. Em 1969 nascia uma das primeiras bandas de rock de Passo Fundo: Os Invencíveis. Composta por Fiu, Miguel e Quevedo, a banda passou por maus bocados no início de sua formação. O principal problema na época não era gravar um disco e, sim, ter um lugar para ensaiar. “Para ensaiar nós precisamos fazer um buraco embaixo do porão da minha casa. Foi o maior sofrimento da história!”, contou.
A banda que tocava clássicos do momento, como The Beatles, Raul Seixas, Roberto Carlos e até The Fevers, também sonhava em chegar um dia ao topo e ser rock star. “Na época já haviam outras bandas na cidade, então nós íamos ver os caras tocar nos clubes e nos entusiasmávamos mais ainda. Mas a diferença é que eles tinham uma aparelhagem de som bem melhor e tal e nós não. Carregávamos a nossa aparelhagem até o clube. Tudo nas costas! Foi assim que Os Invencíveis começaram”, disse. Com o tempo, Os Invencíveis começaram a ficar famosos na pequena e pacata cidade de Passo Fundo dos anos 70. Nessa época as baladas mesmo eram, além dos cinemas e cafés, as matinés de domingo, realizadas nos salões das igrejas.
E foi nessas festas que Os Invencíveis fizeram história. Por incrível que pareça, um tempo em que rock e igreja eram uma combinação que dava certo. “Começamos a tocar no salão da igreja do bairro Petrópolis. Eram nas matinés nos domingo à tarde. Era tocado desde Beatles até Os Incríveis”, falou.
A banda começou a ficar famosa nas redondezas e começou a ter os primeiros fãs que começavam a lotar as matinés para escutar o rock dos Invencíveis. Em uma ocasião, enquanto eles tocavam no salão da igreja da Vila Santa Marta, algo bizarro aconteceu. “Nesse dia o salão lotou tanto que caiu! Caiu o assoalho do salão e quem ficou de pé continuou dançando. Estávamos cantando uma música dos Beatles e todo mundo dançando, aquilo começou a chacoalhar e, quando vimos, caiu!”. Nessa época os cinemas também eram uma forma de entretenimento e lazer. E sempre depois de uma sessão no Cine Pampa, o pessoal se dirigia ao restaurante do Turis Hotel. E foi assim que surgiu a ideia de a banda começar a tocar também no local.
“Na saída do cinema as pessoas iam lá. Então resolvemos surpreendê-las tocando as trilhas sonoras dos filmes. Então, quando o pessoal saía rindo do cinema e já entrava no salão do Turis nós começávamos a tocar a trilha do filme. Então todo mundo ficava alegre. Emocionavam-se de novo.”
O fã conhece o ídolo Se um dia o teu ídolo aparecesse na porta da tua casa e pedisse se você aceitasse fazer uma turnê com ele, o que você diria? Quase inimaginável, não é? Pois bem, com Fiu isso de fato aconteceu. “O Raul Seixas foi na minha casa! Foi incrível! Quando eu falo que ele foi lá em casa as pessoas não acreditam! O empresário que trazia os shows para Passo Fundo na época era um amigo meu. Então foi ele que me indicou para o Raul. Eu estava dentro de casa quando ouvi que um carro havia estacionado lá na frente. Aí o Raul desceu. Então eu pensei ‘eu conheço esse cara’, mas não dava para acreditar que era ele. Na frente da minha casa tinha um portão que estava meio pendurado, e quando ele foi abrir, caiu (risos) e ele achou aquilo a coisa mais linda do mundo! Lembro que ele disse: ‘É outro departamento isso aqui, é outra enfermaria’”, contou. Desse instante até ao convite para tocar na banda não é difícil imaginar. “Ele me convidou para tocar baixo no lugar de outro cara que ia ficar só em alguns shows. Então eu fui junto com eles. Acompanhei uns shows e depois, quando o baixista deles voltou para São Paulo, eu comecei a tocar”. No momento em que Fiu fez as malas e partiu junto com Raul, já sabia: essa seria a experiência mais interessante e surreal da sua vida. E não podia deixar de ser diferente, afinal, ele estava junto de um dos caras mais excêntricos da época. E, claro, um grande poeta! “Ele era um maluco-beleza. Para tirar fotos ou dar autógrafos não podiam faltar os ‘amiguinhos’ dele. Ou seja, os amiguinhos eram um litro de wísque, um litro de vodca, um de campari e, ainda, uma cerveja. Aí, durante os shows ele cantava, as vezes tocava o violão, começava a tirar a camisa, fazia de conta que ia tirar as calças e o pessoal se apavorava!”, contou. Nos 30 dias que Fiu ficou em companhia de Raulzito, o que mais o marcou, de acordo com ele mesmo, foi a simplicidade com que Raul tratava as outras pessoas e, claro, a forma como encarava a vida. “Ele gostava de fazer apostas, mas de perder e não de ganhar. Ele jogava uma coisa totalmente óbvia que sabia que ia perder. Então, depois que a outra pessoa ganhava ele dizia: ‘Mas você sabe tudo, ganhou!’ Era muito louco, começava a beber ainda de manhã. Tínhamos que controlar ele para de noite. Ele não conseguia cantar a letra inteira. Então quem continuava era o baterista e ele ficava andando pelo palco, pedindo cervejas, tirando a camisa e falando sobre estrelas, sapatos, astrologia.”
Para um músico do interior do Rio Grande do Sul, poder tocar com o seu ídolo era o máximo. Principalmente quando podia estar junto com ele no momento de compor novas músicas. “Uma coisa que eu não entendia é que ele fazia as letras na hora. Pegava o gravador e dizia que tinha uma música na cabeça. Fazia uma harmonia e já fazia a letra e já saía cantando.” Mas como tudo o que é bom dura pouco, a turnê também chegou ao fim. Fiu voltou para Passo Fundo, mas agora não apenas com a mala que tinha partido. Além de uma caixa da bateria esquecida no Hotel Turis (depois uma fã que tinha se apaixonado pelo guitarrista foi até São Paulo para vê-lo e levou a caixa) Passo Fundo agora tinha Fiu, o cara que tocara com o Raul. “Depois da turnê nunca mais falei com ele. Eu fiquei aqui em Passo Fundo, continuei tocando... Aí quando recebi a notícia da morte dele em 89 foi muito triste (emocionado). Um cara assim não podia morrer tão cedo. Mas é que ele era o que ele vivia. Era o verdadeiro maluco-beleza. A vida dele todo dia era uma festa.
Ainda durante a minha infância aprendi que conversas de boteco sempre rendem boas pautas. No início dos anos 90, quando eu contava com cinco, seis anos, e ainda morava com meus pais é que aprendi que esses locais são verdadeiros livros de histórias. Nesse tempo meus pais moravam no interior de Getúlio Vargas, numa comunidade chamada Souza Ramos.
Como todo o vilarejo de interior, lá também havia um lugar sagrado de encontro para os moradores do local. Era a Bodega do seu Olivo, que ficava no porão da minha casa. À tardinha, depois do trabalho, os homens da comunidade se encontravam para beber um pouco da famosa cachaça de alambique com funcho e comer as casquinhas de laranja no açúcar que meu avô fazia. Era todo o dia a mesma coisa, as conversas adentravam a noite, e eu da minha cama ouvia as gargalhadas e as histórias contadas pelos mais velhos. Algumas vezes as histórias contadas eram tão boas que eu me levantava da minha cama e ia até a “rebalça” (alçapão) que dava para o porão da minha casa onde se localizava o boteco, onde ficava sentada nas escadas escutando aquelas velhas histórias. Aquele mundo me encantava. A fumaça vinda das mesas do bar, onde os homens fumavam e jogavam quatrilho, ia subindo aos poucos pela escada e frestas da casa, enquanto eu escutava atentamente as histórias da revolução, dos lugares mal assombrados, do heroísmo dos mais velhos e do saci-pererê, que fazia tranças nas crinas dos cavalos nas madrugadas de inverno. Desde então descobri que esses são os melhores lugares para se ouvir e contar histórias. O tempo passou, mas essa paixão pelas histórias, pelo cotidiano, cresceu comigo. E foi numa dessas noites, não mais sentada nas escadas da minha velha casa, mas num boteco de Passo Fundo, envolta na fumaça dos cigarros, que escutei pela segunda vez o nome de Fiu: a lenda viva.
Já havia escutado em algum outro momento o seu nome, na época uma história bastante vaga. Mas foi naquela noite no boteco que fiquei intrigada mesmo com a história. Fiu era um cara que havia tocado na banda de Raul Seixas durante uma turnê pelo estado em 1977 e hoje exercia a profissão de cabeleireiro na cidade. Como fã do Raulzito, fiquei escutando atenta aquela história, enquanto uma leve dose de nostalgia tomava conta de mim. Cheguei em casa ainda pensando no que acabava de ouvir. Adormeci pensando na história. Seria aquilo tudo verdade? Um cara que tocou com o Raul Seixas na década de 70, continuar morando em Passo Fundo e ser cabeleireiro? Surreal? Incrível? Acordei no outro dia pensando se aquela história não eram apenas lorotas contadas pelos meus amigos já embriagados depois de um dia cansativo. Foi então que um acaso aconteceu: meu namorado conhecia o cara. Dessa vez eu não podia deixar a história passar assim. Por incrível que pareça, foi mais fácil do que imaginava. Resolvi garimpar a tal história e melhor entrevistar a figura. Depois de conseguir o número do telefone resolvi ligar e marcar a entrevista. Logo que atendeu o telefone, fui logo perguntando: - Então, você que é o famoso Fiu? Tocou com o Raul Seixas, certo? Ele riu e depois disse: Sim, fui baixista dele durante uma turnê aqui no estado em 1977. Depois disso marquei com ele para nos encontrarmos em algum lugar para ele contar essa história toda. E foi assim. Marcamos para as 15h no local onde hoje ele atende os seus clientes. Apresento-lhes o Fiu.
O minuano soprava forte naquela tarde de agosto. Mesmo os raios do sol não conseguiam amenizar o frio que fazia na cidade. Não demorei muito para encontrar o local. Fiu me esperava na calçada em frente ao seu estabelecimento.
Depois de nos apresentarmos pessoalmente, subimos até o salão de beleza. Fiu mostrava-se ansioso para a entrevista. Entramos na sala onde ele atendia os seus clientes, o lugar era grande e arejado, os móveis pintados de verde-limão. Logo que sentei na cadeira, ele começou a me contar mil histórias. Não precisei fazer muitas perguntas. Ele sabia exatamente o que eu queria ouvir. Hoje cabeleireiro, Fiu não abandonou a música, que de acordo com ele é a sua maior paixão. Entre um corte de cabelo e outro Fiu foi contando a sua trajetória como músico, suas realizações, seu sonhos.
Conversávamos animadamente quando chegou uma senhora ao local, com os cabelos brancos e um olhar profundo. Não era uma cliente qualquer. Era a sua mãe, que havia chegado para visitar o filho, como fazia toda a semana e, claro, aproveitar a oportunidade para participar da entrevista. A banda de rock.
De acordo com Fiu, o interesse pela música vem desde quando ainda era criança, mas se intensificou mesmo no final dos anos 60. No auge de sua juventude, como muitos jovens daquela época, inseridos num regime ditatorial, procurava por liberdade. Para Fiu e seus amigos essa tal de liberdade estava na música. A música era a revolução. Em 1969 nascia uma das primeiras bandas de rock de Passo Fundo: Os Invencíveis. Composta por Fiu, Miguel e Quevedo, a banda passou por maus bocados no início de sua formação. O principal problema na época não era gravar um disco e, sim, ter um lugar para ensaiar. “Para ensaiar nós precisamos fazer um buraco embaixo do porão da minha casa. Foi o maior sofrimento da história!”, contou.
A banda que tocava clássicos do momento, como The Beatles, Raul Seixas, Roberto Carlos e até The Fevers, também sonhava em chegar um dia ao topo e ser rock star. “Na época já haviam outras bandas na cidade, então nós íamos ver os caras tocar nos clubes e nos entusiasmávamos mais ainda. Mas a diferença é que eles tinham uma aparelhagem de som bem melhor e tal e nós não. Carregávamos a nossa aparelhagem até o clube. Tudo nas costas! Foi assim que Os Invencíveis começaram”, disse. Com o tempo, Os Invencíveis começaram a ficar famosos na pequena e pacata cidade de Passo Fundo dos anos 70. Nessa época as baladas mesmo eram, além dos cinemas e cafés, as matinés de domingo, realizadas nos salões das igrejas.
E foi nessas festas que Os Invencíveis fizeram história. Por incrível que pareça, um tempo em que rock e igreja eram uma combinação que dava certo. “Começamos a tocar no salão da igreja do bairro Petrópolis. Eram nas matinés nos domingo à tarde. Era tocado desde Beatles até Os Incríveis”, falou.
A banda começou a ficar famosa nas redondezas e começou a ter os primeiros fãs que começavam a lotar as matinés para escutar o rock dos Invencíveis. Em uma ocasião, enquanto eles tocavam no salão da igreja da Vila Santa Marta, algo bizarro aconteceu. “Nesse dia o salão lotou tanto que caiu! Caiu o assoalho do salão e quem ficou de pé continuou dançando. Estávamos cantando uma música dos Beatles e todo mundo dançando, aquilo começou a chacoalhar e, quando vimos, caiu!”. Nessa época os cinemas também eram uma forma de entretenimento e lazer. E sempre depois de uma sessão no Cine Pampa, o pessoal se dirigia ao restaurante do Turis Hotel. E foi assim que surgiu a ideia de a banda começar a tocar também no local.
“Na saída do cinema as pessoas iam lá. Então resolvemos surpreendê-las tocando as trilhas sonoras dos filmes. Então, quando o pessoal saía rindo do cinema e já entrava no salão do Turis nós começávamos a tocar a trilha do filme. Então todo mundo ficava alegre. Emocionavam-se de novo.”
O fã conhece o ídolo Se um dia o teu ídolo aparecesse na porta da tua casa e pedisse se você aceitasse fazer uma turnê com ele, o que você diria? Quase inimaginável, não é? Pois bem, com Fiu isso de fato aconteceu. “O Raul Seixas foi na minha casa! Foi incrível! Quando eu falo que ele foi lá em casa as pessoas não acreditam! O empresário que trazia os shows para Passo Fundo na época era um amigo meu. Então foi ele que me indicou para o Raul. Eu estava dentro de casa quando ouvi que um carro havia estacionado lá na frente. Aí o Raul desceu. Então eu pensei ‘eu conheço esse cara’, mas não dava para acreditar que era ele. Na frente da minha casa tinha um portão que estava meio pendurado, e quando ele foi abrir, caiu (risos) e ele achou aquilo a coisa mais linda do mundo! Lembro que ele disse: ‘É outro departamento isso aqui, é outra enfermaria’”, contou. Desse instante até ao convite para tocar na banda não é difícil imaginar. “Ele me convidou para tocar baixo no lugar de outro cara que ia ficar só em alguns shows. Então eu fui junto com eles. Acompanhei uns shows e depois, quando o baixista deles voltou para São Paulo, eu comecei a tocar”. No momento em que Fiu fez as malas e partiu junto com Raul, já sabia: essa seria a experiência mais interessante e surreal da sua vida. E não podia deixar de ser diferente, afinal, ele estava junto de um dos caras mais excêntricos da época. E, claro, um grande poeta! “Ele era um maluco-beleza. Para tirar fotos ou dar autógrafos não podiam faltar os ‘amiguinhos’ dele. Ou seja, os amiguinhos eram um litro de wísque, um litro de vodca, um de campari e, ainda, uma cerveja. Aí, durante os shows ele cantava, as vezes tocava o violão, começava a tirar a camisa, fazia de conta que ia tirar as calças e o pessoal se apavorava!”, contou. Nos 30 dias que Fiu ficou em companhia de Raulzito, o que mais o marcou, de acordo com ele mesmo, foi a simplicidade com que Raul tratava as outras pessoas e, claro, a forma como encarava a vida. “Ele gostava de fazer apostas, mas de perder e não de ganhar. Ele jogava uma coisa totalmente óbvia que sabia que ia perder. Então, depois que a outra pessoa ganhava ele dizia: ‘Mas você sabe tudo, ganhou!’ Era muito louco, começava a beber ainda de manhã. Tínhamos que controlar ele para de noite. Ele não conseguia cantar a letra inteira. Então quem continuava era o baterista e ele ficava andando pelo palco, pedindo cervejas, tirando a camisa e falando sobre estrelas, sapatos, astrologia.”
Para um músico do interior do Rio Grande do Sul, poder tocar com o seu ídolo era o máximo. Principalmente quando podia estar junto com ele no momento de compor novas músicas. “Uma coisa que eu não entendia é que ele fazia as letras na hora. Pegava o gravador e dizia que tinha uma música na cabeça. Fazia uma harmonia e já fazia a letra e já saía cantando.” Mas como tudo o que é bom dura pouco, a turnê também chegou ao fim. Fiu voltou para Passo Fundo, mas agora não apenas com a mala que tinha partido. Além de uma caixa da bateria esquecida no Hotel Turis (depois uma fã que tinha se apaixonado pelo guitarrista foi até São Paulo para vê-lo e levou a caixa) Passo Fundo agora tinha Fiu, o cara que tocara com o Raul. “Depois da turnê nunca mais falei com ele. Eu fiquei aqui em Passo Fundo, continuei tocando... Aí quando recebi a notícia da morte dele em 89 foi muito triste (emocionado). Um cara assim não podia morrer tão cedo. Mas é que ele era o que ele vivia. Era o verdadeiro maluco-beleza. A vida dele todo dia era uma festa.
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