sábado, 13 de junho de 2009

Vivendo como um centauro

A história que confirma o ditado: “todo gaúcho é metade homem metade cavalo”

*Ediane Bussolotto


Não há cidade que viva sem um personagem especial, uma pessoa diferente. A mulher da betoneira de Passo Fundo, o gaúcho de Lagoa Vermelha, o Chico Cavalinho de Ibiraiaras... Francisco Américo do Nascimento, conhecido pelas pessoas por “Chico Cavalinho”, nasceu em Lagoa Vermelha e atualmente reside na cidade de Ibiraiaras. Embora o município seja pequeno (em torno de sete mil habitantes), para encontrar o Chico não é uma tarefa muito fácil, em especial nos finais de semana. Calma, leitor, não pense besteiras! Chico (como prefere ser chamado) gosta de visitar seus amigos. Pela dificuldade que tive de encontrar o passeador, combinei com sua mãe adotiva que ele iria até minha casa no dia seguinte.


O reencontro amigável


Dito e feito! Chegando em minha casa, Chico resvala nas britas e brinca:
- Agora não tenho mais as garradeiras, aí derrapa! Ao falar “o Chico não me conhece”, ele solta uma expressão de indignado e afirma: - Ah, não conheço essas dengosinha aí! O pai delas ia viajar, e elas ficavam chorando, que nojo!
Ele solta uma gargalhada e diz que lembra muito bem da época em que ele partia lenha lá em casa e nós, minha irmã e eu, brincávamos com ele. - Falei ao Chico que e precisava fazer um trabalho de aula sobre uma pessoa que eu admirava e que gostaria que ele contasse um pouco sobre a sua vida. Chico fica emocionado e diz que adora quando as pessoas lembram dele como um amigo.

Uma viagem ao passado


- Eu sofri que tá loco... O pai me atropelou de casa quando eu tinha mais ou menos quinze anos. Lembro como se fosse hoje, saí de casa à meia-noite... A sorte foi que minha mãe me defendeu, senão o meu pai me matava! Agora eles já são falecidos...
Aí, o sr. Lisário Boeira e a dona Luiza me acolheram. Parei lá mais de quarenta anos, e foi onde aprendi a domar cavalo e a trabalhar. Depois os dois morreram e eu fui mandado embora. Aí eu fui no Patronato (Lagoa Vermelha), eu tinha que limpar chiqueiro, estrebaria, sem ganhar qualquer trocado. Mas aí denunciaram e eu fui trabalhar no mercado Grits. Eu entregava rancho com as duas carrocinhas, uma emendada na outra. Eu não aguentava mais puxar peso, daí me deu uma loucura e fui morar no campo, junto com o gado. Seis meses pastando com o gado, bem como animal mesmo... - Confesso que fiquei surpresa ao ouvir esse depoimento, pois, até então, pensava que isso fosse mais uma história do povo fofoqueiro.


Vivendo no campo

Chico dá uma tossida e continua: ... de noite eu dormia no oco de uma árvore. O oco era grande, cabia uma pessoa de pé. Um dia, foram atrás de mim e não me acharam... - Eu o interrompi, e perguntei: quem foi atrás de ti? - Os caras da fazenda. Daí, no outro dia, foram lá de novo e já começaram a correr atrás de mim. Mas eu era mais
rápido do que eles... Eu entrei no mato e eles atrás. Foram me cercando, até que eu não tive mais saída: saí pro campo! Mas pra me pegarem, eles tiveram que me laçar com uma corda. Quando me pegaram, me amarraram os pés e as mãos, porque eu não parava de pular, e me levaram para um padre me benzer. Mas ele disse que praga de madrinha não tem cura, podiam me amarrar, fazer o que quisessem, que eu não ia parar de pular.


Semelhanças...


Chico, assim como o Guedali (personagem do livro O Centauro no Jardim, de Moacyr Scliar), também encontra Tita. Porém, esta não foi sua mulher, como a personagem, mas, sim, sua mãe. Eles se conheceram na Fazenda da Roseira, onde Chico foi laçado pertinho de onde ela residia. Uma benzedeira de bom coração, que o adotou, segundo Chico, três meses e, segundo relatos, uns três anos. Depois, Chico encontrou Ana Benedetti, que também o acolheu por mais algum tempo. Como de costume, Chico sumia por alguns dias e depois voltava. Diz que ficava andando pelas estradas, campos, sem rumo (pelos meus cálculos, ele percorria 35 km em mais ou menos quatro horas) quando cansava, voltava, o que gerou uma discussão entre eles. Algum tempo depois, Ana se mudou para Lagoa Vermelha.


Uma nova mãe

Foi então que Chico encontrou Lourdes, a quem chama de “mãe”. Há uns dez anos, é ela quem faz comida, lava roupa, ajuda-o a tomar banho... Chico tem o seu cantinho no galpão ao lado da casa: o quarto e a cozinha. O seu único trabalho é ajudar a cortar batatas para tratar as vacas. E um pequeno detalhe que faz toda a diferença: nesse tempo em que Chico está morando lá, nunca sumiu, jamais saiu sem avisar para a sua “mãe” aonde iria. Ele diz que está feliz e que seus parentes, resume, é a Lourdes.


Possível casamento

Encerrada a entrevista, eu agradeço, e ele diz novamente que adora quando as pessoas lembram dele. E, logo, me faz um convite surpreendente: quer que eu seja a madrinha do seu casamento! Em outra oportunidade, comentara com a Lourdes que o Chico havia falado que iria se casar... ela respondeu:
- O Chico se ilude muito fácil. Ele achou uma amiga da minha filha bonita, agora já ta dizendo que vai casar, e a moça nem imagina essa história!
É, pelo visto, essa é, nada mais nada menos, do que mais uma das histórias do Chico!

*Jornalista - formada pela FAC em 2008

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